21.4.05

Fugindo

Porém, se vivermos na luz, como Deus está na luz, então estamos unidos uns com os outros, e o sangue de Jesus, o Seu Filho, nos limpa de todo pecado.

1 João 1. 7

De vez em quando tenho a impressão que as pessoas lutam para se manterem superficiais. Gritam para que ninguém lhes obrigue a qualquer relacionamento mais profundo, seja com o próximo ou mesmo com Deus. Quando parece que há qualquer risco para que as circunstâncias a levem a um aprofundamento, as escusas começam, os desvios de assunto, a fuga. As pessoas brigam consigo e com quem se aproxima para que não sejam obrigados a encarar o próximo ou Deus em intimidade. Parecem ser cientes, mesmo que inconscientemente, que essa intimidade é espelho da alma que, por fim, revelará quem se é de verdade, no fundo, onde ninguém olha, onde ninguém vê.

Parece-me que a maior parte deste problema se resumiria a uma dificuldade de relacionamento. E esse problema de relacionamento se deve à incapacidade que temos de nos desarmar. Explico. Mesmo quando procuramos as pazes com as pessoas à nossa volta, o normal é não abrirmos mão de nossas posições, não revermos os nossos conceitos, não admitirmos que estamos errados. Fazemos as pazes, mas fugimos do perdão.

Fazemos as pazes, voltamos a nos falar, mas no íntimo continuamos armados. Não abrimos mão de nossas certezas por nada. Empunhamos as nossas espadas no rosto das demais pessoas. É como se disséssemos: Perdoe-me, amigo. Voltemos a nos falar. Mas eu sou o dono da verdade. Eu estou mais que certo nessa situação. Encenamos uma farsa. E gostamos disso, preferindo à verdade.

Nós somos incapazes de nos entregarmos ao outro e vivemos em nossas fortalezas muradas, protegidos do contato. Nesse caso a crítica que desenvolvemos é sátira mortífera que condena a tudo e a todos. Que julga sem justiça e sem misericórdia. Que só admite como padrão de verdade a minha verdade.

Se há um sapo enterrado que atrasa o desenvolvimento de nossas comunidades, é isso. Nós somos incapazes de nos desarmarmos, de nos esvaziarmos e de buscarmos uma reconciliação ao nível mais profundo com as pessoas a nossa volta. Testemunhamos falso amor, egoísmo e superficialidade. Protegidos por armas difíceis de serem depostas. Que nos matam, matam nosso sonho, matam nossos relacionamentos. Preferimos viver ficções a construir vidas profundas, reais e produtivas, pautadas no amor e reconciliação em Jesus.

Hoje faz vinte anos da morte de Tancredo Neves. Esses dias a Globo mostrou uma reportagem com os médicos que trataram dele. E uma grande revelação que eles trouxeram é que Tancredo não morreu de septicemia (infecção generalizada). A patologista disse que eles não encontraram nenhum foco de infecção. Um outro médico disse que todas os micróbios que porventura tivessem estado circulando no seu sangue foram mortos pelos antibióticos. Mas o corpo de Tancredo não percebeu isso. O seu sistema imunológico atacou seus próprios órgãos, provocando a sua falência. Começou pelos pulmões, que estavam enfraquecidos pelas transfusões de sangue que ele tinha recebido. Os pulmões foram tomados pela fibrose e foram endurecendo.

Algo semelhante acontece quando fugimos do perdão, de um ponto de vista espiritual. Mesmo que façamos as pazes, eliminando as bactérias por meio de antibióticos, na verdade isso é muito superficial. Não provoca mudança espiritual, do mesmo modo em que o corpo não se dá conta. E começamos a nos destruir por dentro. Endurecemos o nosso interior, que se toma pela fibrose. E, pouco a pouco, vamos morrendo. Atacados de dentro, envenenados pelo nosso próprio ser. Endurecidos por fora, impedindo que a luz de Deus brilhe em nós. Endurecidos, atacados e sendo mortos por dentro, por um coração que não perdoa. Um coração que foge do perdão.

Somos superficiais em nossa relação com Deus e com o próximo? É hora de olhar para dentro, para nossos corações. Do que estamos fugindo? O que evitamos? Por que falamos alto e não queremos nos olhar no espelho de nossas almas no rosto do próximo e, principalmente, na presença de Deus? Temos medo de nós, de ver o que está dentro?

Se deixarmos de fugir, se buscarmos a luz do Senhor, há esperança. Não morreremos a partir da dureza de nossos corações. Encontraremos vida nova na dimensão do perdão pleno. Unidos uns com os outros. E, então, o sangue de Jesus, o Seu Filho, nos limpará de todo pecado.

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