8.5.05

Um violinista

Bem-aventurado o homem cuja força está em Ti, em cujo coração se encontram os caminhos aplanados, o qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial; de bênçãos o cobre a primeira chuva.
Salmo 84. 5 – 6

Adoro cinema. No dia das mães resolvi homenagear todas as mães de minha casa promovendo uma sessão de cinema com aquele que é, provavelmente, o filme mais fantástico que já assisti na vida. Um violinista no telhado, musical de 1971. Existem muitos coisas que poderiam ser ditas acerca desse filme mas, logicamente, o que mais me toca e chama a atenção é a metáfora do violinista no telhado. Na primeira seqüência, que também é o primeiro número musical, o protagonista Tevye apresenta-nos o violinista no telhado. Tevye é um pobre leiteiro de um pequeno vilarejo na Rússia Czarista. Membro de uma comunidade judaica, Tevye nos explica que o fundamento da existência de sua comunidade são as tradições. As tradições põem tudo nos seus lugares. As tradições explicam os papéis que cada um deve assumir na comunidade: o mendigo, a casamenteira, o açougueiro, o rabino e, claro, o pobre leiteiro e sua família. Ele pode até não poder explicar o sentido de cada tradição, como acontece ao fato de que todos os homens usam chapéu sempre (Tevye diz: Você deve estar querendo saber porque usamos chapéu. Eu vou contar... eu não sei), mas a comunidade sabe que sem as tradições a vida seria tão instável quanto o violinista que tenta se equilibrar nos telhados das casas, enquanto executa um número musical.
O violinista, como se fosse uma parte da consciência de Tevye, está sempre presente em todo o filme. E o violinista, o próprio Tevye, começa a abrir espaço para a quebra de muitas tradições no meio da comunidade. As quebras começam quando cada um começa a questionar os motivos e as razões de suas ações. A conscientização do seu próprio ser desafia as estruturas fossilizadas que sustentam, um tanto superficialmente, a comunidade judaica naquele pequeno vilarejo. Em um determinado ponto do filme, Tevye conclui que o que agora é tradicional um dia foi novidade. Quer dizer, descobrir que toda tradição tem um início abre espaço para que venha o novo.
Quando assisto este filme penso que nosso papel no mundo é ser como o violinista no telhado. Porque o nosso Deus é Aquele que faz novas todas as coisas, sempre, em todo tempo, cada manhã. Precisamos ser violinistas que não se permitam assumir tradições que sejam sem significado para nós, tradições que se fossilizam, não permitindo a emergência do novo. Como violinistas, tocando sobre os telhados, tomamos consciência de nossas ações, de nossos compromissos, de nossa vida, abrindo o coração sempre para que todas as coisas possam se renovar. Aprendemos a instabilidade de ser do Espírito, aquele vento que sopra onde quer, como quer, na direção que quer. Não dá para formalizar, para estabilizar, para transformar em tradição o livre fluir do Espírito de Deus. Não dá para controlar a ação de Deus.
Bem-aventurado o homem cuja força está em Ti, em cujo coração se encontram os caminhos aplanados, o qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial; de bênçãos o cobre a primeira chuva. Bem-aventurado o violinista no telhado. Aquele que em intimidade com Deus recebe dEle vida para levá-la aonde for. Que transforma as estruturas fossilizadas por tradições mortas em manancial. Aquele que tem sua força no Senhor e leva a bênção do Senhor a todo deserto onde chega. Bem-aventurado aquele que, andando com o Senhor, descobre que a vida realmente só vale a pena quando se vive pelos telhados, tocando o seu violino. Quem se dá bem na aventura da vida, quer dizer, o bem-aventurado, é aquele que descobre o Deus que abençoa, enche de vida no Espírito, não sem propósito, mas para que cada um, como um tocador que leva sua música ao mundo, vá até lá para fazer diferença, para levar vida, para ser canal do renovo, da graça, para levar alegria, para transformar. O violinista no telhado aquele que descobre que Deus nos abençoa unicamente para que sejamos bênção e, assim, levemos a Sua bênção a mais e mais pessoas. E, desse modo, ajudar a matar as tradições de morte e abre espaço para que venha o novo da vida. Por isso, o violinista no telhado, passando pelo vale árido, faz dele um manancial; de bênçãos o cobre a primeira chuva.

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