8.6.05

Apavorados

Estavam apavorados.
Marcos 9. 6

Os judeus eram extremamente temerosos quando se relacionavam com Deus e a manifestação do Seu Nome. Esse é um dos motivos pelos quais não sabemos, nem saberemos nunca, qual a real pronúncia do Nome com o qual Deus se revela na Aliança. Como o mandamento diz que não se pode usar o Nome de Deus em vão, os judeus não O pronunciavam quando Ele aparecia no texto da Torá. Em Seu lugar, usavam a expressão Adonai (Senhor) ou Elohim (Deus) para evitar citar o Nome Divino. Mas, ainda mais comumente, se referiam simplesmente ao Nome, como significando o inominável. Essa é a razão do surgimento das transliterações Javé, Iavé, Jeová: as vogais do hebraico foram criadas por volta do século XII pelos massoretas que, então, marcaram o tetragrama que simbolizava o Nome Divino (YHWH), ora com as vogais de Adonai, ora com as vogais de Elohim, significando qual dos dois nomes deveriam ser lidos no lugar do tetragrama, cuja pronúncia havia se perdido. Quando essas vogais foram lidas junto com as quatro consoantes, nasceram as diferentes transliterações.
Essa história é apenas um indício do temor com qual o judeu se relacionava com o Seu Deus. Era impossível imaginar um judeu fiel brincando com a Revelação do Deus que o chamou a uma vida santidade. Eles tinham uma consciência profundíssima acerca da grandeza, majestade, poder e santidade do Deus a quem serviam. O sentimento de reverência extremada, conduzindo, inclusive, para atitudes um tanto irracionais em seu cuidado. Era preferível pecar pelo excesso de zelo do que ser encontrado em falta. Na sua relação com Deus, o judeu fiel percebia nitidamente o tamanho do abismo que o separava do Senhor: Deus é santo e o homem pecador. Aproximar-se dEle é conduzir-se em profundo temor e tremor.
É algo assim que acontece com Pedro na experiência da transfiguração. Jesus havia dito, seis dias antes, que alguns dos discípulos não morreriam sem, antes, ver a Sua glória. E, naquela noite, Jesus levou Pedro, Tiago e João para o monte. E, ali, mostrou-lhes Sua glória, quando se transfigurou, resplandeceu de forma impactante, enquanto conversava com Moisés e Elias. Diante de visão tão gloriosa, de manifestação tão tremenda da santidade e majestade de Jesus, o texto diz que Pedro e os outros discípulos estavam apavorados.
Não é possível conhecer a Deus nessa intimidade, se pôr diante de Sua Glória, e não ficar apavorado. Deus é santo e o homem é pecador, verdade imutável e apavorante. Quando nos pomos na presença de Deus de verdade, é impossível não ficar apavorado.
Obviamente, essa história ecoa a visão de Isaías. De modo semelhante, o profeta teve uma visão da majestade gloriosa de Deus e se viu morrendo de medo: Ai de mim! Estou perdido! Pois os meus lábios são impuros, e moro no meio de um povo que também tem impuros lábios. E com os meus próprios olhos vi o Rei, o Senhor Todo-Poderoso! (Is. 6. 5). De modo semelhante, o pavor desses homens foi disperso com um toque da graça do Senhor. Mas as duas histórias nos apontam a verdade de que estar na presença do Senhor é ser tomado por temor e tremor.
É por isso que tenho me inquietado com a irreverência e o destemor presentes nos cristãos dos dias atuais, a começar de mim. Somos pessoas que nos travestimos muito bem com as roupagens religiosas, com os cânticos, com os cultos, enfim, com os movimentos de atos cênicos das mais diversas igrejas, mas que não conseguimos imprimir em nossas vidas o impacto provocado pela visão da glória e da majestade de Deus. Somos pessoas que nos dizemos íntimos do Senhor, mas que não parecemos saber que a busca da intimidade do Senhor implica uma forte dosagem de medo, de pavor, de temor e de tremor. Implica coisas que impactam. Coisas que transformam vidas. Coisas que não permitem permanecermos os mesmos. Ver a Jesus, andar com Ele, em Sua intimidade, é temê-Lo profunda e reverentemente. É mudar de vida.
Somos chamados pelo Senhor a uma vida de profunda intimidade com Ele. Ele nos quer arrastar para essa dimensão com Ele, através da Cruz de Cristo, como fez com os discípulos no monte da transfiguração. Mas esse aprofundamento na vida com Deus implicará contemplá-Lo em Sua glória – nós, os pecadores, a Ele, o Santo e Inominável – , uma contemplação que desalojará tudo de mais íntimo que tenhamos. Esse desalojamento tocará em nossa intimidade ao ponto de que será impossível não temermos, não tremermos e não desejarmos a mudança quando virmos a feiúra de nós mesmos e do nosso pecado. Estaremos apavorados e nunca mais seremos os mesmos.

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