29.12.16

Apenas um carpinteiro

Não demorou, porém, já estavam falando mal dele: “Ora, ele é apenas um carpinteiro — o filho de Maria. Nós o conhecemos desde menino. Conhecemos também seus irmãos, Tiago, José, Judas e Simão, e suas irmãs. Quem ele pensa que é?”. Mesmo sem conhecê-lo direito, eles o desprezavam.

Marcos 6. 3


Nós somos preconceituosos.

Lembro de ter chegado ano passado em São Paulo, no aeroporto de Guarulhos. Enquanto esperava o ônibus da companhia aérea que me levaria até Congonhas, um moço se aproximou da fila pedindo ajuda. Levava nas costas um saco plástico com suas coisas.

Era uma segunda pela manhã e na noite anterior ele dormira sob a marquise de uma igreja em Guarulhos. Envolvido com tráfico de drogas, alguns meses antes, com a vida ameaçada, pegou os últimos lucros e se internou numa clínica evangélica de recuperação de dependentes químicos. Era tudo o que tinha - e tudo o que sobrou quando saiu da clínica estava naquele saco.

Saiu de lá, também, convertido, mas ainda passando apertos com a fome e, às vezes, com a abstinência.

Na noite do domingo, participou do culto naquela igreja, sendo relativamente bem recebido. Ao fim do culto, porém, ninguém se importou de verdade com ele e suas necessidades. Todos se foram e ele foi ficando. Ajeitou-se para dormir ali mesmo.

Tudo o que queria era conseguir retornar à sua cidade natal para rever a mãe.

Em menos de dez minutos de conversa com o rapaz, eu fui abençoado. A minha sensação era de que diante de mim estava Jesus em pessoa.

Nós somos preconceituosos.

Olhamos para alguém na situação daquele rapaz e o desprezamos no ato. No que seriamos abençoados em contato com ele? Eu fui muito abençoado.

Lembro de uma época em que numa das igrejas das quais fui membro, todo domingo à noite um fedido morador de rua sentava-se em um dos bancos para assistir o culto. Ninguém sentava-se ao seu lado e, algumas vezes, ainda havia um movimento para retirá-lo do templo. Não perguntávamos seu nome, não o apresentávamos como visitante.

Uma noite recebemos um deputado federal no culto. Toda honra foi dada àquele visitante, contrastando com aquele pobre andrajoso que estava no mesmo templo, no mesmo culto.

Jesus era de Nazaré - uma vila de artesãos tão desprezível que somente depois do ano 100 da era cristã constou nos mapas do Império Romano. Literalmente um vilarejo tão periférico que estava fora dos mapas.

A profissão de artesão, carpinteiro, só estava acima dos mendigos na escala social da Palestina nos dias de Jesus, lado a lado com os pescadores.

Um vila periférica na periferia do mundo. Uma profissão subalterna.

São os moradores dessa vila que desprezam Jesus - “apenas um carpinteiro”.

Esse homem, “apenas um carpinteiro”, é em quem “habita em corpo humano toda a plenitude de Deus” (Cl. 2. 9, NVT).

Preconceituosos, os conterrâneos de Jesus desprezaram o próprio Deus encarnado por seus preconceitos, seus esquemas de mundo, suas concepções teóricas e conceituais acerca da vida, que enquadravam o seu viver, não permitiam reconhecer nada relevante em um carpinteiro nazareno. “Quem ele pensa que é?”

Será que você já foi desprezado desta maneira? Já foi enquadrado e classificado assim? É ruim, não é?

Acho que nada pode apagar a dor e o constrangimento de ser vítima assim de preconceito, mas a experiência de Jesus pode nos ajudar a significar de uma maneira nova tal sofrimento.

Jesus de Nazaré, o Deus encarnado, Salvador do mundo, sofreu o mesmo que nós.

Quando nos sentirmos assim, quando fizerem o mesmo conosco, sabemos que o temos ao nosso lado. Ele nos conhece e à nossa dor. Seu cuidado, seu amor, seu carinho, nos ajudarão a entender: somos mais do que aquilo que o preconceito, que o enquadramento dos outros, dizem de nós. Somos mais do que a figura que pintaram da gente. Somos mais do que aquilo a que nos querem submeter.

Jesus é mais do que “apenas um carpinteiro” de Nazaré.

Somos mais que os rótulos dizem.

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